Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o movimento antivacina como uma das maiores ameaças à saúde global. Nos Estados Unidos, essa afronta à ciência fez ressurgir surtos de doenças erradicadas, como sarampo e poliomielite. No Brasil, a onda começava a ganhar cada vez mais espaço, o que era motivo de preocupação entre especialistas.
A pandemia de coronavírus, no entanto, colocou bilhões de pessoas em compasso de espera, na expectativa pela descoberta da imunização para o novo coronavírus. Em meados de junho, estimativas indicavam a mobilização de cerca de 200 grupos de cientistas em busca de uma proteção segura e eficaz. Tantos esforços não são à toa, já que a vacina contra Covid-19 é considerada a única alternativa ao distanciamento social.
As iniciativas empreendidas dentro de universidades e laboratórios públicos e privados envolvem os mais variados métodos. Enquanto alguns pesquisadores se valem de processos tradicionais, como ativação e resposta do sistema imunológico, outras lançam mão de inovações como o emprego de nanotecnologia para combater o vírus.
Logo, não será surpresa se houver mais de uma vacina contra Covid-19 disponível ainda em 2020. Ainda assim, as projeções indicam que a produção em larga escala só deverá acontecer em 2021.
Até agora, o processo mais adiantado para a descoberta de uma vacina contra Covid-19 é o da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Em julho, a instituição deverá começar a testar a vacina em humanos – inclusive no Brasil. O trabalho desenvolvido pelos cientistas de Oxford usa o adenovírus (desativado, que não causa doença no organismo) associado a vetores virais com partes do novo coronavírus.
Por um lado, os altos índices de pacientes com Covid-19 no Brasil são motivo de preocupação. Por outro, o fato de o país ter se tornado, em junho, o epicentro global da pandemia, faz com que esse seja o cenário ideal para testagens de vacina. A estratégia é imunizar pessoas que não têm a doença e que dentro de um curto espaço de tempo estarão expostas ao vírus. Assim, será possível observar o desfecho do quadro em relação a quem não foi vacinado.
Os planos envolvem teste de mil voluntários que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus e que não tenham contraído o vírus. No Brasil, a ação é coordenada pelo Centro de Referência para Imunológicos Especiais (Crie) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Em diferentes etapas de análise, existem outras cinco vacinas que já se encontram em fase de testes em humanos. Confira:
Os experimentos de Oxford, comandados pela Unifesp no Brasil, referem-se à etapa de testes. Em geral, existem seis níveis de análise de resultados:
Fase exploratória (laboratorial): momento em que é feita a análise da melhor formulação das vacinas – a partir de centenas de amostras de moléculas.
Fase pré-clínica: também conhecida como não-clínica, é nessa etapa que ocorrem testes em animais. A estratégia é comprovar in vitro os resultados tidos anteriormente.
Fase clínica: depois da certificação dos resultados em animais, a vacina é testada em humanos, o que é feito em três etapas:
Antes mesmo do coronavírus, o Brasil já era considerado referência em imunização. Isso se deve, em especial, ao trabalho desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que abastece o mercado nacional com 25 tipos de vacina. Entre elas, as imunizações que ajudaram a erradicar doenças como poliomielite e sarampo – que voltaram a ameaçar a população por conta do movimento antivacina nos últimos anos.
Diante da pandemia atual, a instituição se dedica a encontrar uma maneira eficaz de imunizar a sociedade. Nesse sentido, a aposta vem da Fiocruz de Minas Gerais, que trabalha em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A vacina em desenvolvimento tem proteção dupla: contra a Covid-19 e a gripe comum. Os pesquisadores trabalham com o vírus da influenza, a fim de que ele produza proteínas para combater o Sars-Cov-2. Dessa maneira, será possível prevenir ambas as doenças.
Principal pesquisador do projeto na Fiocruz, Alexandre Vieira Machado é cauteloso em relação às previsões de uma vacina contra a Covid-19 em curto prazo: "Precisamos ter em mente que é clara a urgência de uma vacina, que o Brasil tem pronta-resposta e que terá sua própria vacina. Mas, para isso, é fundamental haver transferência de recursos". Enquanto os aportes em iniciativas de pesquisa e desenvolvimento de vacinas mundo afora envolvem cifras milionárias, o Brasil vive um momento delicado em relação à transferência de recursos à ciência.
Outro aspecto a considerar, segundo Machado, é o tempo de análise de resultados. "Precisaremos observar se a vacina terá proteção duradoura ou se será necessário repetir doses. Ou, ainda, se a segunda dose terá a mesma formulação da primeira", comenta. Apesar das incertezas, o pesquisador se mostra otimista com os resultados paralelos obtidos pelos estudos feitos até agora. E deixa um recado aos profissionais da saúde. "Eles não estão a sós. Existe uma gama enorme de pesquisadores em seus laboratórios em busca da vacina e consequentemente levantando informações sobre diagnóstico, estudos de epidemiologia, de virologia e a melhor compreensão patógeno", afirma.